domingo, março 13, 2011

O Povo à Rasca

Saio de Santa Apolónia e o céu saúda-me com um calor ao qual não estou habituado, nesta altura do ano. As pombas dizem "Olá" com aquele seu ar de quem espera algo em troca.
Apesar das nuvens volumosas e cinzentas, o chapéu-de-chuva viria a revelar-se apenas um fardo.

A cidade apresenta-se como é habitual. Turistas com canhões fotográficos em punho tentam captar a centelha lisboeta em cada traço de Alfama, sem saberem o que se iria passar daí a poucas horas.
Ouço uma rapariga, que caminhava a trás de mim, perguntar à amiga "A que horas começa?", "Às 3 na avenida da Liberdade". Sorrio. Serão mais duas entre os milhares, assim como eu. Não vou ser mais um com a típica conversa de café sobre o estado do país, daqueles que quando lhes compete fazer um pouco para o mudar deixam-se ficar no sofá ou em qualquer tasca a ver pela tv, apoiados por uma torrente de desculpas que faria qualquer tempestade parecer um choro de menino.



Passo pelo Chiado. Na perpendicular junto à Bertrand organiza-se mais uma feira de alfarrabistas, molestada apenas pelos raros aguaceiros que se fazem sentir.
Cruzo-me com pedintes, mendigos e velhos loucos, mas também com donos de audis, porsches e até lamborghinis de ultimo modelo. Engraçado, tão distantes uma da outra, mas nenhuma destas duas classes sociais se vai apresentar na manifestação.
Deixo para trás a estátua do príncipe da nossa poesia em direcção a um outro mais Real.
Enquanto passeio pelo bairro mais alto, olho para o chão e as frestas entre os paralelos mostram-me os artefactos de noites passadas onde os problemas do dia de hoje foram momentaneamente esquecidos.
Chego ao jardim e distribuo o peso da mochila por outras partes do corpo. As pombas olham-me agora com mais interesse, pretendem mostrar-me que merecem umas quantas migalhas bónus pela sua falsa amizade. É incrível o quanto as pombas e os seres humanos têm de comum.

Depois da merenda, vou andando vagarosamente para o ponto quente do mapa, qual campónio moderno vagueando por Lisboa. Ao passar pelo café Nicola apercebo-me de um grupo de neo-nazis, de t-shirts estampadas com o símbolo das SS, a fronha do Hitler ou do Rudolf Hess. Pobre mentecaptos. Felizmente não os voltarei a ver durante todo o dia, pois a manifestação será de todas as cores, literalmente.



A policia e a RTP concentram-se nas traseiras do teatro D.Maria II. Teriam eles previsto a dimensão da manifestação? Não creio, não haviam policia suficiente nem para 100 mil pessoas, quanto mais para o dobro. Grupos começam a viajar pela avenida a cima, em direcção ao São Jorge. Pelo caminho encontro caras conhecidas.
Quando chego já há vários milhares de pessoas, mas a quantidade de gente que chega parece não ter fim. Rapidamente deixa de se conseguir perceber onde realmente começa e onde acaba a manifestação.

Os motivos de luta são tão variados quanto os erros deste nosso país. Os estandartes fazem-se de todas as cores. São ocidentais, africanos, orientais, novos, muito novos e velhos, heterossexuais e homossexuais, sindicalistas e anarquistas. Não vejo qualquer bandeira de partidos e nem sinais da policia. Vejo sim muitos que vieram só para ver a "banda passar", o velho hábito de adoração, qual acidente na auto-estrada.



A marcha faz-se por entre frases que recordam o dia, que à quase 37 anos atrás derrubou o Estado Novo. 200 mil pessoas manifestam-se agora, com poucos cravos e com nenhum capitão, por um novo estado do país.
Como galvanizadores do Povo, os Homens da Luta, Vitorino, Rui Veloso, Fernando Tordo e outros vão fazendo-se ouvir através de megafones e colunas. Passando vagarosamente pela multidão, vão através da ironia e da canção relembrando o motivo pelo qual todos estamos ali. Já basta de tanta inevitável degradação de todos os sectores mais importantes do funcionamento da nossa sociedade!
2 horas depois chega-se ao Rossio e tanto a Praça da Figueira como a D. Pedro IV estão à pinha, bem como a Praça de Camões.

O Facebook não foi suficiente para tanta indignação. Será o dia 12 de Março de 2011 o inicio do fim do reinado de Sócrates e o mote para melhores condições laborais? O Tempo o dirá...

sábado, março 12, 2011

Protesto Geração à Rasca

Foi com muita pena minha que não pude participar neste protesto.
Apesar de não ter um objectivo concreto e de não apresentar soluções objectivas para os problemas da nossa geração, foi a maior reunião de pessoas que alguma vez vi! Assisti em directo toda a tarde através da net e desejei imensas vezes poder estar lá.
Foi com enorme alegria e, até surpresa, que vi que este protesto se abriu às mais variadas gerações, religiões, partidos políticos e etnias. Vi de tudo um pouco! Jovens desempregados com quase 40 anos ainda a viverem em casa dos pais; pessoas que, apesar de terem um emprego estável e até bem remunerado, se juntaram a este protesto por solidariedade aos outros; pessoas mais velhas que foram ao protesto a pensar no futuro dos seus filhos e netos; estudantes a tentar lutar por terem um futuro emprego, enfim...acho que foi esta diversidade que deu ainda mais força a este protesto!

Se este protesto vai dar em alguma coisa? Isso não sei! Mas sei que ficar parado a pensar que não vai adiantar fazer este tipo de coisas e achar que as coisas nunca vão mudar, não adianta nada! É preciso agir! É preciso mais movimentos como estes!

Quero continuar a ter orgulho em ver esta união!